Em 2019, o Japão registrou 19.959 casos de suicídio. Foi a primeira vez desde 1978 (ano inicial do registar de dados) que o número de casos foi inferior a 20 mil/ano. Após 10 anos em tendência de queda, o número de suicídio no Japão voltou a crescer este ano.
De acordo com o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar japonês, apenas no mês de agosto deste ano, 1849 pessoas se suicidaram, significando um aumento de 15,3% em relação a agosto de 2019. Os dados são inconclusivos, porque ainda não temos o número total de casos em 2020, mas deixou as autoridades em alertas – e com razão.
É provável que o aumento esteja ligado, também, à crise sanitária do COVID-19 e às medidas de isolamento e prevenção. O COVID-19 trouxe consigo não apenas o risco de contágio e morte, mas um cenário radical de insegurança e transformação: crise econômica, desemprego, suspensão de aulas e eventos, imposição de mudanças no estilo de vida e rotinas, e a falta de contato com familiares, amigos e outros relacionamentos fundamentais. Tudo isto tem um impacto psíquico profundo.
Vivemos em uma sociedade altamente individualizada, como ensinou o sociólogo alemão Ulrich Beck. Isto significa que somos cada vez mais convocados a avaliar e responder a riscos sociais (produzidos por fatores que não controlamos), e assumir as consequências destas respostas como responsabilidade individual (como se fôssemos responsáveis pela consequência destes riscos sociais). Isto está amplamente ligado a sintomas de ansiedade e depressão, culpa e sobrecarga, isolamento e desamparo.
Diversas pesquisas realizadas desde que a Organização Mundial da Saúde declarou estado de pandemia do COVID-19, apontam que as medidas de isolamento social tão necessárias ao controle, prevenção e resposta à contaminação têm trazido consequências psíquicas negativas que intensificam os impactos já nocivos da pandemia na saúde mental dos indivíduos.
Estudos brasileiros identificaram que o isolamento gerou sintomas como depressão, ansiedade, medo, insônia, confusão e emoções desordenadas entre estudantes que passaram ao modo de ensino remoto ou digital. Estudos internacionais mostram cenário parecido: uma pesquisa da Arábia Saudita identificou que cerca de 25% das pessoas entrevistas sentiram-se deprimidos durante o período de isolamento, e aproximadamente 44% sentiram uma forte desconexão emocional em relação a suas famílias, amigos e colegas.
Outro estudo chinês, identificou entre os 1.593 estudantes entrevistados uma prevalência de depressão e ansiedade de 8,3% e 14,6%, respectivamente. Baixa renda familiar, baixo nível educacional, falta de suporte psicológico entre outros fatores estavam altamente associados aos altos níveis de ansiedade e depressão autodeclaradas.
Um grupo de pesquisadores alemães identificou que as medidas de quarentena estavam consistentemente associadas aos impactos psicossociais negativos, incluindo sintomas de ansiedade, depressão, raiva e estresse. Outro estudo publicado na revista Lancet (uma das mais conceituadas revistas científicas da área da Saúde Pública no mundo) também identifica os efeitos psicológicos negativos, como sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva.
Um estudo espanhol cita crises psicóticas entre indivíduos com diagnósticos psiquiátricos previamente estabelecidos, como recaídas ou pioras do quadro clínico, crescente prevalência de psicopatologias e sintomas clínicos notadamente em grupos vulneráveis e estigmatização de populações percebidas como responsáveis pela disseminação da doença.
O que todos estes estudos demonstram, apesar de diferentes abordagens, é que as medidas de quarentena e isolamento impactam radicalmente a vida psíquica das pessoas. Junto ao medo de contágio e às incertezas sobre a pós-pandemia, o isolamento e distanciamento de amigos, familiares e companheiros(as) românticos(as) podem estar diretamente ligados à piora da saúde mental no mundo, e ao aumento das taxas de suicídio no Japão, que mencionamos.
As pesquisas também mostram que este não é um problema isolado, mas global, que atinge os chamados países em desenvolvimento, mas também aqueles do dito primeiro mundo.
Apesar de sabermos disto, as estratégias digitais de trabalho e educação remotos, que tornam possível este isolamento, não parecem ter data de validade. Pelo contrário, Universidades e Governos mundo afora celebram o sucesso destas estratégias e a intenção de dar continuidade e ampliá-las. Até o final do ano teremos mais dados organizados sobre suicídio e Saúde Mental, e uma visão mais clara do que está acontecendo. Mas desde já devemos estar atentos e ser cuidadosos.
Se você vem experimentando os sintomas citados aqui, seja ou não por conta das medidas de isolamento social, procure ajuda profissional especializada. Há psicólogos e psicanalistas brasileiros que atendem no Japão. Para mais informações sobre este e outros assuntos ligados à saúde mental no Japão, publicamos textos todo mês aqui, e estamos disponíveis também pelo e-mail contato@amaeinstitute.jp.
- Japan Times (Inglês)
- Japan Times (Inglês)
- Risk Society: Towards a New Modernity (Inglês)
- Revista Brasileira de Educação Médica (2020, vol.44, suppl.1, e153)
- COVID-19 Pandemic: Impact of Quarantine on Medical Students’ Mental Wellbeing and Learning Behaviors (Inglês)
- Comparison of Prevalence and Associated Factors of Anxiety and Depression Among People Affected by versus People Unaffected by Quarantine During the COVID-19 Epidemic in Southwestern China (Inglês)
- Psychosocial Impact of Quarantine Measures During Serious Coronavirus Outbreaks: A Rapid Review (Inglês)
- The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence (Inglês)
- PsychoticPsychotic relapse from COVID-19 quarantine, a case report (Inglês)
- Psychological Aspects of the COVID-19 Pandemic (Inglês)