História

As “Mulheres de Conforto Militar” do Japão: a história que deve ser lembrada

A 2ª Guerra Mundial foi um dos diversos conflitos militares aos quais o Japão participou no século 20. A história do país agora dá um passo importante para se redimir com as mulheres que participaram da parte mais obscura das batalhas

As “Mulheres de Conforto Militar” do Japão: a história que deve ser lembrada
Desbravando o Japão

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O Japão hoje é reconhecido como a terceira maior economia do mundo, assim como acontece com a Alemanha, que é a quarta.

Muitos de nós lembramos que o país era temido durante a 2ª Guerra Mundial e que só foi parado após os Estados Unidos fazerem uso de duas bombas atômicas sobre duas cidades, Hiroshima e Nagasaki.

As guerras travadas até a queda das bombas

O Japão já travava guerras desde o século 19. Durante a Restauração Meiji, o país iniciou um programa de desenvolvimento industrial e militar, com a justificativa de não se tornar vítima de países europeus.

Para abastecer suas fábricas com escassa matéria-prima nacional, o Japão foi o primeiro país asiático a se transformar numa super-potência e entre 1894-1895, Japão e China travaram a Primeira Guerra Sino-japonesa, quando as forças japonesas derrotam os chineses que eram mais numerosos, levando a anexação da Coreia (que era um único país naquela época) e de Taiwan, conforme o Tratado de Shimonoseki.

Exército Imperial Japonês em 1900

De 1904 a 1905, o Japão venceu a Rússia na Guerra Russo-Japonesa e durante a 1º Guerra Mundial (1917 – 1918), ajudou a acabar com o Império Russo nas batalhas do fronto oriental.

Mesmo sendo derrotado em todas as outras guerras que participou, até o fim das forças imperiais japonesas, o país participou de terríveis batalhas, tanto no texto militar quanto do ponto de vista ético. As maiores atrocidades foram cometidas com os povos do sudeste asiático.

O massacre de Nanquim e a criação das “estações de conforto”

Embora existissem bordéis militares para as forças armadas japonesas desde 1932, eles se expandiram amplamente após um dos incidentes mais infames da tentativa do Japão Imperial de dominar a República da China e uma ampla faixa da Ásia.

No dia 13 de dezembro de 1937, tropas japonesas começaram um massacre que durou seis semanas, que basicamente destruiu a cidade chinesa de Nanquim, capital do país naquela época. Ao longo do caminho, há relatos que as tropas japonesas estupraram entre 20.000 e 80.000 mulheres chinesas.

Imperador Hirohito em 1935

Os estupros em massa horrorizaram o mundo e o Imperador Hirohito (o 124º imperador do Japão, que governou o país na Era Showa, de 29 de abril de 1901 à 7 de janeiro de 1989), estava preocupado com seu impacto na imagem do Japão.

Como observa a historiadora jurídica Carmen M. Agibay, ele ordenou que as forças armadas ampliassem suas chamadas “estações de conforto”, ou bordéis militares, em um esforço para evitar novas atrocidades, reduzir o número de soldados infectados por doenças sexualmente transmissíveis e garantir um grupo estável e isolado de prostitutas, para satisfazer o apetite sexual dos soldados japoneses.

Resolvendo um problema criando outro

“Recrutar” mulheres para os bordéis equivalia a sequestrá-las ou coagi-las. As mulheres eram cercadas nas ruas dos territórios ocupados pelos japoneses, convencidas a viajar para o que pensavam ser unidades de enfermagem ou empregos, ou compradas de seus pais como servas contratadas. Essas mulheres vinham de todo o sudeste da Ásia, mas a grande maioria era de origem coreana ou chinesa.

Um oficial nacionalista que guardava mulheres presas dizia ser “garotas de conforto” usadas pelos comunistas, em 1948.
Foto: Jack Birns / Coleção de imagens LIFE / Getty Images

Quando estavam nos bordéis, as mulheres foram forçadas a fazer sexo com seus captores sob condições brutais e desumanas. Embora a experiência de cada mulher fosse diferente, seus testemunhos compartilham muitas semelhanças: estupros repetidos que aumentavam antes das batalhas, dores físicas agonizantes, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e condições sombrias.

O sequestro de Lee Ok-seon

Lee Ok-seon estava fazendo um recado para seus pais quando aconteceu: um grupo de homens uniformizados saíram de um carro, atacaram-na e a arrastaram para dentro do veículo. Enquanto se afastavam, ela não tinha ideia de que nunca mais veria seus pais. Ela tinha 14 anos.

Lee Ok-seon, então com 80 anos, em um abrigo para ex-escravas sexuais perto de Seul, Coréia do Sul, segurando uma foto antiga de si mesma em 15 de abril de 2007.
Foto: Seokyong Lee / The New York Times / Redux

Naquela fatídica tarde, a vida de Lee em Busan, uma cidade na atual Coréia do Sul, mudou para sempre. A adolescente foi levado para uma “estação de conforto” na China. Lá, ela se tornou uma das dezenas de milhares de “mulheres de conforto” sujeitas à prostituição forçada pelo exército imperial japonês entre 1932 e 1945.

“Não era um lugar para humanos”, disse Lee à Deutsche Welle (mídia alemã com programas em mais de 30 idiomas pelo mundo) em 2013. Como muitas outras mulheres, ela foi ameaçada e espancada por seus captores. “Não havia descanso”, lembrou Maria Rosa Henson, uma mulher filipina que foi forçada a se prostituir em 1943. “Eles abusavam de mim a cada minuto.”

O fim da 2ª Guerra Mundial não significou o fim das estações

Em 2007, os repórteres da Associated Press descobriram que as autoridades dos Estados Unidos permitiram que as “estações de conforto” operassem bem depois do fim da guerra e que dezenas de milhares de mulheres nos bordéis foram estupradas por americanos, até Douglas MacArthur desligar o sistema em 1946.

Estátua de uma menina, simbolizando as “mulheres de conforto” perto da Embaixada do Japão em Seul
Foto: Kyodo

Até então, entre 20.000 e 410.000 mulheres haviam sido escravizadas em pelo menos 125 bordéis. Em 1993, o Tribunal Global das Nações Unidas sobre Violações dos Direitos Humanos da Mulher estimou que, no final da Segunda Guerra Mundial, 90% das “mulheres de conforto” haviam morrido.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, no entanto, os documentos no sistema foram destruídos pelas autoridades japonesas, de modo que os números são baseados em estimativas de historiadores que dependem de uma variedade de documentos existentes.

Com a reconstrução do Japão após a Segunda Guerra Mundial, a história de sua escravização de mulheres foi subestimada como um remanescente desagradável de um passado que as pessoas preferem esquecer.

Enquanto isso, as mulheres que foram forçadas à escravidão sexual tornaram-se párias da sociedade. Muitas morreram de infecções ou complicações de doenças sexualmente transmissíveis, devido ao seu tratamento violento nas mãos de soldados japoneses; outras cometeram suicídio.

Durante décadas, a história das “mulheres de conforto” passou despercebida. Quando o assunto foi discutido no Japão, foi negado pelas autoridades, que insistiram em que “postos de conforto” nunca existiram.

Livros de história no Japão voltam a conter o termo “mulheres de conforto militar”

No final do mês de março, o Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia revisou novos livros didáticos para às escolas do próximo ano, e entre as que foram aprovadas, há o retorno do termo “militar” em relação as mulheres das “estações de conforto”.

Em um livro de história enviado pela editora Yamakawa Shuppansha, com sede em Tóquio, a seguinte passagem aparece ao discutir as atividades do Exército Imperial Japonês antes e durante Segunda Guerra Mundial:

“Nas estações de conforto estabelecidas nas zonas de guerra, as mulheres (chamadas ‘mulheres de conforto militar’) eram trazidas da Coréia, China e Filipinas.”

A12 - AT - 2020

Nenhum texto de história do ensino médio aprovado pelo governo japonês desde 2004 incluiu a designação “militar”, que recebeu críticas de quem achou que o termo estava em uma descrição inadequada. 

Com as crianças japonesas ingressando no ensino médio aos 12 ou 13 anos de idade, e o estágio do sistema educacional durando três anos, isso significa que ninguém com menos de 28 anos de idade viu um livro do ensino médio aprovado pelo governo usando o termo “Mulheres de conformo militar.”

Além disso, o Ministério também revisou um outro livro de história separado (cujo status de aprovação ainda não foi confirmado) de uma editora diferente, que inclui uma descrição de soldados imperiais japoneses invadindo a casa de civis durante a ocupação de Nanquim na China, estuprando uma menina de 13 e outra de 15 anos, matando os pais e os avós. O livro também diz que os militares japoneses “massacraram muitas pessoas” na Malásia e “decidiram uma estratégia de sacrificar Okinawa”.

Vale lembrar que a aprovação do Ministério do livro didático de Yamakawa Shuppansha não é mais do que isso: aprovação. As escolas não têm obrigação de usar o texto de Yamakawa se preferirem usar outro. Entretanto, pela primeira vez em algum tempo, ensinar às crianças não apenas “Mulheres de conforto”, mas “Mulheres de conforto militar”, será uma opção para os educadores no Japão.

O impacto disso na história

Ao adicionar o termo “militar” ao designar as mulheres dessas estações, o Japão dá um passo importante ao passar às novas gerações uma parte tão obscura de sua história, mesmo não sendo um pedido de desculpas.

O assunto inclusive voltou a tona em 2019, durante a crise internacional do Japão e da Coréia do Sul, quando o Ministro de Relações Exterior Moon Hee-sang exigiu que o então Imperador Akihito, filho do Imperador Hirohito e tido como “principal culpado dos crimes de guerra”, deveria se desculpar publicamente antes de abdicar ao trono japonês, no final de abril do mesmo ano.

Em Tóquio, há um museu chamado de “Museu da Guerra e da Paz das Mulheres” que mostra um mapa de todas as instalações de “conforto militar” pela Ásia.

https://wam-peace.org/ianjo/map/

Apesar de serem considerados temas chocantes, devem continuar sendo abordados para ensinar as novas gerações sobre problemas a serem evitados no futuro. Nos Estados Unidos existe o Memorial Nacional pela Paz e Justiça, dedicado às vitimas da escravidão e e na Alemanha existe o Memorial do Holocausto, dedicado às vítimas judias durante a 2ª Guerra Mundial.

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