Cultura

A batalha por trás do sucesso

Descubra como o Nihongando com Nanda passou de um sonho impossível para um dos casos mais surpreendentes de brasileiros no Japão

A batalha por trás do sucesso
Desbravando o Japão

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Parte da série Matérias Especiais, em 75 posts

Desde o século passado, o movimento dekassegui busca no Japão superar limites. A distância entre o sucesso e o fracasso, não pode ser medido apenas em milhas, horas ou dinheiro.

São 18 mil quilômetros de saudades. Rotinas extremamente exaustivas e repetitivas, em um ambiente por vezes “ácido” e exigente dos japoneses.

O plano às vezes fracassa e anos de investimento são perdidos. Crises deixam o sonho de retornar ainda mais distante [além é claro, de uma barreira quase intransponível, que muitos não ousam sequer pensar em encarar: o idioma japonês]

Há casos de conquistas que surpreendem até os mais otimistas. Como a história da carioca Fernanda Ando, mais conhecida por seus milhares de seguidores e alunos como Nanda.

Nanda, você fazia ideia no que estava se metendo quando decidiu vir ao Japão?

Hoje em dia vejo que não. Eu sabia muito pouco sobre o Japão e o que eu tinha era o que me falavam. Que era um país muito próspero! Não era difícil de conseguir emprego! Mesmo sem saber japonês as pessoas conseguiam trabalho! Que dava para juntar bastante dinheiro, fazer aquele “pezinho de meia” e voltar para o Brasil. Eu sabia que o trabalho não ia ser dos mais fáceis, que era pesado e que era bem corrido.

Quando cheguei no Japão, era uma realidade completamente diferente. Porque vim justamente na crise. Não tinha emprego e só tinha para quem falasse japonês e olhe lá. Então não foi nada daquilo de: “Ah! Vamos lá, juntar muito dinheiro e tem emprego para dar com rodo”. Não foi essa realidade que encontrei. Hoje em dia acho que vim enganada para o Japão (risos). Entendo que só foi uma época mesmo não muito propícia de ter vindo para o Japão.

A primeira semana
A primeira semana de Nanda no Japão

Qual era o seu objetivo em vir para o Japão, uma vez que você já tinha tido feito faculdade e intercâmbio nos Estados Unidos?

Fiz a última prova da faculdade e viajei para o Japão no mesmo dia. Mesmo já tendo feito intercâmbio, não tinha nada em que eu quisesse começar a trabalhar. Foi uma fase meio que assim: “Ah! Ainda não consegui emprego na minha área e tava com essa oportunidade de vir para o Japão, porque não? Antes de continuar com meus planos no Brasil, ir para outro país, acumular mais bagagem internacional, conhecer uma nova cultura, um lugar diferente e de repente, até aprender uma nova língua”.

Então a intensão que vim para o Japão era juntar dinheiro durante 3 anos e também experiência de estar em um país diferente. A intenção era essa: o objetivo era vir para o Japão trabalhar, juntar dinheiro e voltar para o Brasil. Eu não tinha intensão de investir em nada aqui, nem no estudo. Para mim, eu ia aprender japonês no dia a dia.

2008 parece ter sido um ano muito difícil na sua vida. O que mais pesou para você decidir estudar japonês: a falta de oportunidades de emprego ou a vontade de se tornar professora?

Na verdade, não foi só 2008. Os anos de 2008 e 2009 foram dois anos bem difíceis. Acho que foram difíceis para muitos que já estava aqui no Japão. Foram anos sem tantos empregos, de não estar conseguindo pagar as contas.

O que mais pesou mesmo para decidir estudar foi ver que aqueles meus 3 anos já estavam acabando. Eram 2 anos no Japão e eu não tinha ainda aprendido japonês. Era assim: eu voltaria, porque lembra, meus objetivos eram ter uma bagagem internacional, juntar dinheiro e de repente aprender o japonês.

Eu tava numa situação que não tinha juntado o tanto de dinheiro quanto eu gostaria e não tinha aprendido o idioma, porque o único emprego que eu consegui foi num mercado brasileiro. Trabalhei 2 anos com brasileiros. A bagagem internacional que eu queria, não dava para dizer: “Nossa! Aprendi muita coisa. Aprendi muito japonês!”. Justamente por estar nesse núcleo brasileiro. Eu ia para mercados brasileiros, assistia televisão brasileira. Eu estava sempre no meio de brasileiros. Então eu ia acabar voltando, sem muita experiência e sem muito dinheiro. Aí pensei: “Não! Peraí! Vou ter que voltar com um desses objetivos”.

Nunca foi a minha vontade ensinar o japonês. Quando aprendi mesmo, foi para voltar para o Brasil com um desses objetivos cumpridos.

A partir daqui a sua experiência se modificou. Você começou a dar aulas. Foi aqui que nasceu a ideia do Nihongando com Nanda?

A ideia do Nihongando com Nanda nasceu muito depois que comecei a dar aula de japonês. O meu primeiro filho nasceu em 2015, aí eu ficava em casa e comecei a ter contato com outras mães, que também estavam em casa com seus bebezinhos.

Recebi um pedido de uma delas para dar aulas particulares. Já que ela está em casa com bebê de colo, ficava difícil para ela sair estudar e eu para trabalhar. Então começamos a nos falar pelo Skype. Montei um cronograma de estudos para ela. Até então, eu já tinha dado algumas aulas de japonês, mas o meu trabalho era ensinar inglês para japoneses. Eu sempre dei aulas de inglês, nunca me imaginei ensinado japonês. A partir daí, comecei a dar aulas particulares, porque outras mães também me contactaram. Comecei a fazer live para ajudar essas mães dentro de um grupo fechado, só para pessoas aqui do Japão.

Começaram a aparecer mais e mais pessoas interessadas em ter aulas particulares comigo. Até certo ponto, eu consegui manter todo mundo. Quando a minha lista de espera chegou em 100 pessoas falei: “Não, peraí! Vamos começar de outra forma”. Foi então que idealizei um curso online, mas até então, eu estava com a minha segunda filha nascendo. Era um projeto muito para o futuro.

Na verdade, no Nihongando aproveitei essas lives que eu estava fazendo. As pessoas me pediam: “Faz um canal no YouTube, coloca suas aulas lá”. Falei: “Gente, eu não tenho como colocar aulas no YouTube, eu não sei mexer, eu não sabia nem como funcionava”. Foi aí então que uma pessoa entrou em contato e pediu para colocar meus vídeos no YouTube. Essa pessoa queria criar o canal, mas precisava de um nome. Então falei: “Olha, iniciei uma página chamada Nihongando com Nanda, mas não tinha quase nada de conteúdo”.

Foi com muita ajuda de outras pessoas, que acreditaram no meu projeto, que eu consegui, com duas crianças pequenas, uma recém-nascida, começar o canal.

Qual era seu objetivo com suas redes sociais? O que você esperava quando começou a gravar vídeos?

Na verdade, foi tudo se encaminhando para isso. Nunca foi essa a intenção. O canal no YouTube só começou, como falei, por ajuda de outra pessoa, que começou a colocar os vídeos que eu fazia em live. Para quem já fez live, você precisa controlar sua vergonha de estar ali exposta para várias pessoas que você não conhece. Até então, é como se você estivesse conversando com a tela do computador, com o celular. Mas quando você passa a gravar vídeos, começa: “Não gostei!” Aí você apaga. “Não gostei de novo!”. E você apaga. Eu era assim sempre.

Tinha muita vergonha, muita dificuldade. As pessoas não acreditam nisso, mas não foi minha intenção me tornar uma figura pública, de pessoas assistirem meus vídeos. Eu mesmo, até hoje não consigo ver meus próprios vídeos, não gosto. Se assisto, quero apagar. Procuro fazer mais lives, que você está ali na hora, do que gravar os vídeos. Ainda tenho um pouquinho de objeção de gravar.

O meu objetivo com as redes sociais, na verdade, era passar aquele conhecimento. Aquela dica de japonês que eu não tive. Era de ajudar as pessoas.

Em 2017, recebi uma proposta de parceria, para elaboração daquele curso que eu estava sonhando em fazer, mas eu, com duas crianças pequenas, não tinha condições e nem como fazer. Foi aí que o Nihongando se profissionalizou.

Hoje você trabalha só com internet? Qual é o tamanho da equipe do Nihongando?

Fernanda Ando
Fernanda criou um curso de japonês como ela sempre sonhou fazer

Hoje em dia eu não trabalho só com internet. Eu trabalho também como professora de inglês. Tenho duas turmas, aqui na minha casa mesmo. Todo mundo que pergunta: “Tem vaga? Não tem vaga!” É bem limitado, bem restrito, por justamente ser uma coisa em casa. É um hobby. Uma coisa que eu já faço há anos e mesmo com a loucura do Nihongando, que é muito corrido, eu não abro mão. É aqui onde tenho contato com as minhas crianças, que conversamos e brincamos. É o que me dá energia: trabalhar com crianças.

Antes de ter o Nihongando, antes de ter as minhas crianças, eu trabalhava como professora de escola internacional, com alunos desde três aninhos de idade, até koukousei, que seriam os adolescentes de 15 a 16 (anos). É uma coisa que eu realmente me encontrei. Trabalhar com crianças e adolescentes, eu gosto bastante. Então continuo mantendo, mesmo com o Nihongando sendo nessa proporção, de demandar muito trabalho também.

Na equipe Nihongando, na verdade, tenho várias, várias alunas me ajudando demais, que se empenham muito no curso. Quanto mais vejo uma pessoa se empenhando, mais tenho vontade de ajudar. Então, costumo dizer que a minha equipe do Nihongando é gigante, porque tenho esses alunos, são grupos que se encontram para poder estudar, para conversar sobre o Nihongando, para falar japonês. Não tenho como mensurar dessa forma. Existe ainda uma equipe técnica.

Você está contente com o que faz hoje? Seu curso de japonês te dá a remuneração que você esperava?

Quando comecei a trabalhar com o Nihongando, com a língua japonesa, entendi aquele ditado: “trabalhe com o que gosta e você não trabalhará nenhum dia da sua vida”. Hoje em dia, acordo com aquela motivação de ir trabalhar. Sábado, domingo, estou trabalhando, não tem dia de folga, mas nem sinto isso, porque realmente faço o que gosto de fazer. Fazer uma live de japonês ou criar conteúdo, preparar materiais para os meus alunos, estar com eles, responder dúvidas do portal, são coisas que tenho muito prazer em fazer.

Se estou contente? Claro! Estou muito feliz com tudo que está acontecendo, de estar conseguindo trabalhar com o que realmente gosto que é estar ensinando, dando dicas, aprendendo.

Sobre remuneração, eu não esperava nenhuma remuneração. É claro, esse é o nosso trabalho principal e precisamos ser remunerados, porque as contas vêm para todo mundo. Em questão de se é pouco ou se é muito, isso aí eu não tenho nem como mensurar, porque realmente, a maior remuneração de um professor é quando o aluno entende aquilo que foi falado, quando você resolve uma dúvida: “Ah! Às vezes você fala desse jeito!” e você clareia toda aquela confusão que estava na cabeça de um aluno.

No caso das crianças, você vê o aprendizado de uma criança, que chega sem falar nada e depois de um mês, dois meses, vê ela brincando e falando algumas palavras. Essa é a maior remuneração com certeza.

Você agora é palestrante. Você já me disse que é tímida. Como foi se apresentar para um auditório lotado?

Desde criança eu sempre batalhei em não ser tímida. Sempre fui tímida, mas eu sempre batalhei para não ser. Lembro da minha mãe falando que eu era “um bicho do mato”, que eu me escondia atrás da saia dela e aquilo me incomodava muito e eu falava: “Eu não sou assim!” mas era (risos). Então, desde criança, participei de grupos de teatro. Fiz várias peças, mas sempre morrendo de vergonha. Até mesmo quando fiz intercâmbio nos Estados Unidos, a primeira coisa que fiz foi entrar no Drama Club, para fazer peças em inglês. Imagina: morrendo de vergonha, da cabeça aos pés, mas eu sempre quis quebrar essa timidez.

Sou daquelas pessoas que não gosta de ser o centro das atenções. Eu sempre prefiro que ninguém me note no meio da multidão, mas se coloco objetivo vou até o final. Quando aceitei a proposta, foi do tipo: “Não! É isso que me incomoda? É disso que eu fugiria? Então é isso que vou fazer!”.

Não foi fácil de forma alguma estar no palco. De conversar com a audiência. De ver as pessoas te olhando, mas eu sempre fui eu mesma. Não tem como não dar certo, sou eu ali! Se eu tivesse ensinando alguma coisa, tentando ser uma pessoa que não sou, isso tornaria tudo mais difícil. Mas quando você está ali, você está tímida e você fala: “Oh! Gente desculpa, isso não é o que costumo fazer, mas vamos lá!” As pessoas já criam aquela empatia.

Tenho essa consciência: se você for você mesmo, não vai dar erro! É isso que tento ser quando estou no palco, falando, passando alguma informação para um auditório lotado.

Quais são os objetivos daqui para frente?

Fernanda Ando
Fernanda e sua família

Não tem nada claro em relação aos objetivos para esse ano. Ano passado foi um ano muito intenso. Foi um ano que gravei todas as aulas, todos os cursos e com uma bebê pequena. Ficava com ela durante o dia todo e depois que ela dormia, eu conseguia trabalhar. Eu dormia muito pouco, comia super mal.

Esse ano estou mais com objetivos pessoais. Dormir melhor. Comer melhor. Fazer exercícios físicos. Tudo isso eu consegui implementar a partir desse ano, quando ela foi para escola em abril.

Já os objetivos para o Nihongando, estou terminando alguns ajustes no curso. Vejo que existe uma necessidade de mostrar para as pessoas que moram aqui no Japão, que o japonês é um meio para você atingir uma coisa muito maior. Ouço por aí: “Tenho que aprender japonês! Nanda, me ensina porque preciso aprender!” Isso não é nada legal, para quem está querendo aprender. Por que não é “eu preciso, eu necessito” é “eu quero aprender japonês para atingir tal objetivo”.

Esse pensamento eu vejo que muita gente não tem. Qual é o seu objetivo mesmo? Que o japonês vai ser uma ferramenta para você atingir alguma coisa maior! “Eu quero fazer um curso em tal área que precisa de japonês”. Aí sim! “Quero aprender japonês para me tornar tradutora”. Aí você tem um objetivo claro. Esse objetivo que vai fazer com que você queira estudar japonês. Não: “eu tenho que”. Tudo o que falo: “eu tenho que”, é como: “Nossa! Eu tenho que ir ao mercado hoje. Tenho que pagar essa conta”. São sempre coisas negativas, isso não ajuda no aprendizado do japonês, naquela motivação para se aprender.

Meu maior objetivo agora é de mostrar para as pessoas, para que elas pensem: porque você quer aprender japonês? É a mesma coisa que ir em uma academia. “Eu tenho que ir para a academia!” Você quer atingir o quê na academia? Quer perder quantos quilos? Você quer melhorar o quê na sua saúde? Aí sim! Esse objetivo sendo claro, forte, você vai ter uma motivação de ir todos os dias lá fazer aquilo. Isso que falta muito para as pessoas que moram no Japão.

Tem pessoas que odeiam o idioma e estão estudando japonês. Você acha que elas vão realmente chegar em um nível legal? Em pouco tempo, elas terão desistido. Nem lembra mais do portal do aluno. Não se lembra mais do login de acesso. Então é mostrar o quanto o japonês pode ajudar uma pessoa a atingir aqueles objetivos que ela tem. Mas se ela não sabe o que quer, vai ficar muito difícil.

Qual sua dica para quem está começando agora a aprender japonês?

O estudo de uma língua, é um hábito. Mudar um hábito não é uma coisa fácil. Falo em mudar hábitos porque nossa vida é cheia deles. Temos aqueles bons e ruins. Se você quer aumentar os bons, você tem de tirar os ruins.

Então se você quer aprender japonês: “Opa, peraí!” O que você quer mudar no seu dia a dia para poder inserir um hábito novo? Você precisa de um pouquinho de tempo. Quanto tempo? Em qual o horário você vai estudar japonês? Porque essa organização é superimportante. Organizar o seu tempo. O que você vai estudar naquele período? Ser uma coisa consistente. Um hábito é para todos os dias. Todos os dias tem que manter aquele hábito.

Você não precisa ter várias horas por dia para estudar japonês. Você precisa ter 15 minutos para poder começar estudar. Se você não sabe hiragana ou katakana, pelo “alfabeto”. Não fique no Romaji, porque ele vai te atrasar e te privar de ter acesso à muitos materiais legais, além de você ainda adquirir uma pronúncia ruim.

Depois vai avançando na gramática do japonês. Essa gramática escrita, as palavras, as frases em kanji. Não estudamos kanji e sim a gramática do japonês. Nela estão incluídas as palavras que estão em kanji. E aí sim! Aprendemos o kanji aquela palavra, naquela frase.

Não adianta nada se não tiver consistência. Precisa ser um hábito. Você precisa estudar todos os dias. “Mas eu não tenho tempo!” Estamos falando de 15 minutos! Lembra daquele querer? Você tem que querer aprender japonês e não “eu tenho que”. Então primeiro é esse Mindset que precisa mudar.

Saiba mais sobre o Nihongando com Nanda:

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